Por que me retirei do Comitê em Defesa de Trotsky?

por Mauritz A. Hallgren


Sr. Félix Morrow, Secretário Executivo,
Comitê Americano para a Defesa de Leon Trotsky.
Rua 17 Leste, Nº. 22. Despacho 511,
Nova York, N. E.

Prezado senhor:

Tornou-se necessário esclarecer minha posição a respeito dos processos de Moscou e, particularmente, a respeito das relações de Trotsky com os mesmos.

Desde que entrei para o seu comitê tenho meditado profundamente e seriamente sobre todo esse problema. Tenho examinado na forma mais eficaz possível neste país todos os documentos sobre esse assunto que publicaram. Tenho acompanhado com grande atenção todas as informações jornalísticas e tenho consultado alguns relatórios feitos por não-comunistas que assistiram o primeiro processo. Tenho estudado cuidadosamente os argumentos publicados pelos partidários de ambos os lados e, com igual cuidado, tenho voltado a estudar os escritos de Trotsky sobre o seu caso contra o stalinismo e sua teoria da revolução permanente, isto é, todos aqueles que têm sido publicados até hoje.

Quando ingressei no seu comitê era partidário, e ainda sou, do direito de asilo para os exilados por motivos de suas crenças políticas ou de qualquer outro gênero. A Trotsky foi lhe concedido o asilo no México, e por causa disto, as tarefas do comitê neste aspecto da questão parecem ter terminado.

Em segundo lugar, tinha eu, nessa época, a suficiente desconfiança com respeito a certos aspectos do processo Zinoviev-Kamenev para duvidar de sua inteira legitimidade. Estas dúvidas partiam da possibilidade de que, aproveitando do fato de ter encontrado com Zinoviev e os associados culpados de conspiração (já que nunca encontrei uma boa razão para duvidar de sua culpa) se lhes tivessem prometido uma redução em suas sentenças como recompensa por uma confissão pública que complicasse Trotsky em seus crimes. Em atenção a essas dúvidas, aderi-me com prazer ao comitê no esforço de oferecer a Trotsky a oportunidade de responder as acusações feitas contra ele. Isto não foi por um desejo de ser “justo" ou “liberal," com a falta de sentido em que normalmente se empregam estes termos pelos liberais americanos, senão simplesmente porque eu considerava que seria tão criticável e perigoso para o futuro do socialismo que, Stalin e seus colegas perverteram a justiça da União Soviética para fins pessoais, como que Trotsky conspirava para derrubar o governo da única república socialista do mundo.

* * *

Logo após o primeiro processo foram executados Zinoviev e seus associados. Se havia dito que prometeu a eles um tratamento menos rigoroso por sua parte caso acusassem publicamente Trotsky de ter conspirado com eles para derrubar Stalin e o governo soviético. Na verdade, foi principalmente sobre esta suposição que se baseou toda a acusação de que o primeiro processo foi uma “farsa." Mas, agora que os acusados foram mortos, Trotsky e seus partidários declararam que os condenados haviam sido "enganados". Para os trotskistas isso foi mais uma prova de sua afirmação de que o primeiro processo havia sido uma “arapuca.”

No entanto, para o estudante desinteressado, isso poderia na mesma forma facilmente provar o contrário. Afinal, é uma das mais elementares regras da lógica que não se pode usar uma premissa para comprovar uma tese e depois usar a negação dessa premissa para comprovar a mesma tese. Por isso, logicamente, havia que se buscar outras razões para explicar essas execuções e a única possível era a de que os acusados foram mortos dentro do curso regular da justiça e pela simples razão de que eram culpados dos crimes contra eles. Mesmo assim, era possível, apesar da aparência desta nova dúvida que os sentenciados tivessem sido "enganados".

Agora nos encontramos com o segundo processo. Qual é a situação? Os acusados atuais não podem ter quaisquer ilusões sobre o seu destino; devem saber e sabem que serão executados. Apesar disto, não hesitam em confessar seus crimes. Por que? A única resposta concebível é a de que são culpados. Desta vez, não poderão ser enganados, seguramente, que se trata de um “acordo," porque homens como Radek certamente não são tão estúpidos para crer que vão salvar sua vida dessa maneira depois do que aconteceu com Kamenev e Zinoviev. Foi dito que eles foram torturados para confessarem. Mas que maior e efetiva tortura pode haver do que o conhecimento da certeza da morte? De qualquer forma, os acusados na sala da corte não demonstraram a menor evidência de terem sido torturados ou de estar sob coação. Alguns dizem que eles foram hipnotizados para confessar ou que o procurador aproveitando de seu conhecimento de psicologia eslava de alguma maneira fez esses homens confessarem atos dos quais não são culpados. A unanimidade com a que os acusados têm vindo confessando é tomada como prova de que ditas confissões são falsas e de que foram obtidas por meios misteriosos. No entanto, estas alegações não são apoiadas por qualquer prova concreta ou lógica. A ideia de que foi usada alguma forma inexplicável de hipnotismo oriental é algo que uma inteligência sã deve eliminar inteiramente como fantasioso. A coincidência em todas as confissões longe de provar que se trata de uma "fraude," significa, para mim, uma prova evidente, caso contrário se fossem inocentes certamente que algum dentre as três dúzias, sabendo que lhe espera a morte, de todos modos teria divulgado a verdade. É inconcebível que entre este número tão grande de acusados, todos tivessem mentindo sabendo que a mentira não os beneficiaria.

Então, por que suspeitar ou recusar as coisas óbvias para buscar a verdade? Por que recorrer a misticismos ou a magia negra para explicar fatos que nos apresentam com clareza? Por que não aceitar o fato evidente de que os acusados são culpados? A esse fato, se aceitar isto a respeito aos acusados que estão sendo julgados atualmente, terá que se aceitar o mesmo em relação aos homens executados no primeiro processo.

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Não encontro agora nenhuma razão séria para achar que os acusados no primeiro processo foram tratados injustamente. Certamente, agora não podem sustentar o argumento que tinham sido enganados, pois essa afirmação cai por seu próprio peso, considerando por um momento que o governo soviético tem levado a processo a outro grupo de homens acusados pelas mesmas causas, porque como o governo não podia induzir o segundo grupo a confessar sob a pressão de falsas promessas. É razoável supor que também não conseguiu as confissões por meio de falsas promessas durante o primeiro processo. Além disso, estou agora completamente convencido que os acusados no primeiro processo tiveram ampla oportunidade para provar sua inocência e que não foram negados nenhum dos direitos que reconhece a verdadeira justiça. É significativo o fato o qual aqueles que negam isto não têm apresentado nenhuma prova de suas evidências, além de suas próprias alegações e suspeitas que carecem de todo apoio documental. Por outro lado, não somente existem os registros judiciais, senão também os depoimentos espontaneos dos observadores não-comunistas que assistiram o processo.

Um destes relatórios tem sido apresentado por D. N. Pritt, advogado inglês e representante do Partido Trabalhista na Câmera dos Comuns. Mr. Pritt de jeito nenhum pode ser tachado de simpatizar com os comunistas ou com Stalin. Pelo contrário, sempre fez parte da ala direita do Partido Trabalhista. E, além disso, a diferença de Walter Citrine e outros que têm alegado que teve uma farsa jurídica, ele assistiu em pessoa o processo de Moscou. Declarou depois estar “completamente satisfeito” que o processo teria sido “conduzido corretamente" e que os acusados foram "tratados com imparcialidade e conforme a justiça", acrescentando que a aparência e o comportamento deles indicavam a "ausência de maus-tratos ou medo,” bem como, que “não teve base para insinuações de injustiça nem na forma, nem na substância.” Seu ponto de vista tem sido confirmado por todos os observadores não-comunistas que presenciaram o processo cujos relatórios tenho consultado. É verdade que Trotsky agora está atacando Pritt por ter prestado este “serviço” ao “stalinismo." Mas Trotsky não tem apresentado nenhuma prova que Pritt tivesse algum viés em favor do governo de Stalin. Se me permite a repetição, enquanto por uma parte existem provas sólidas e convincentes que os acusados foram julgados com justiça, a contra-acusação no sentido que não foram julgados não têm fundamento de nenhuma evidência, convincente ou não. O mesmo pode ser dito a respeito a condução do segundo processo, segundo as informações publicadas até a data.

É um fato curioso que parece ter escapado aos liberais, tanto deste país como da Inglaterra que o governo soviético se prejudica mais do que poderia ser beneficiado com motivo destes processos, especialmente hoje em dia. As preocupações que este acontecimento tem suscitado entre os liberais e os socialistas, bem como, a formação deste comitê, revelam até que ponto está sendo prejudicada a União Soviética. Quais vantagens obtém Stalin com uma atitude que lhe faz perder a estes elementos? É óbvio que nenhuma; pelo contrário, pode sofrer grandes perdas. Atualmente existe o grave perigo de uma intervenção armada; o governo soviético precisa de toda ajuda possível que possa obter dos trabalhadores, liberais e democratas de outros países; sem essa ajuda, a onda crescente do fascismo afogaria à Rússia Soviética, no qual, por suposto, Stalin e seu governo inevitavelmente desapareceriam.

Devemos supor que Stalin tenha abandonado na forma mais estúpida toda precaução apenas para vingar de seus inimigos pessoais? Podemos supor que, tem um veementemente desejo de criar frentes populares como uma forma de proteger a União Soviética do perigo exterior, e ao mesmo tempo devemos o considerar tão cego como para tomar uma atitude que pode destruir essas frentes populares sem mais fim do que satisfazer caprichos ou ambições pessoais? Podemos considerá-lo tão imbecil como para não apreciar a gravidade deste perigo exterior que não só ameaça à União Soviética, senão também a ele mesmo? Ninguém pode dizer que Stalin seja um estúpido. Ainda que os trotskistas se queixam que o perigo do “stalinismo” não consiste em sua estupidez, senão em sua habilidade diabólica. Deve ser deduzido, em forma óbvia, que se o governo de Stalin está disposto a arriscar tanto ao abrir estes processos, porque tem descoberto um perigo interno que não é menor que o exterior. Em suma, deve-se concluir que o governo descobriu uma conspiração contra si mesmo, cujas as provas são tão abundantes e tão grande o perigo que significa que não se atreveu a deixar para depois apesar que ao destruir a conspiração corre o risco de perder seus apoios democráticos fora de suas fronteiras, aumentando assim o perigo exterior.

Até aqui só nos ocupamos dos conspiradores de Moscou; pouco temos dito de Leon Trotsky. Ele também é culpado? Os conspiradores dizem que ele é. Ele nega enfaticamente (e por sua vez, faz outras acusações de gravidade igual contra Stalin). Por um lado temos as provas de Moscou. Onde estão as de Trotsky? Devemos considerar que não tem tido oportunidade de explicar diante um júri, bem como, durante os últimos dias de sua estadia na Noruega esteve literalmente incomunicável. No entanto, têm passado várias semanas desde que saiu da Noruega e ainda não apresentou quaisquer documentos ou provas sobre as suas reivindicações, nem sequer algo que possa ser tomado como uma relação circunstancial. Não tem feito nada mais que o negar tudo; e mais ainda, algumas de suas negativas são de natureza duvidosa. Seus ataques gratuitos a D. N. Pritt são lançados sem base em fatos que os comprovam, não o favorece certamente. Sua afirmação de não ter ouvido nunca falar de Vladimir Romm (destacado jornalista soviético, que por muitos anos foi o principal correspondente da Agência Tass e depois de “Izvestia”), é simplesmente incrível e, chega por si só quase desacreditar Trotsky. No entanto, esta é a forma de "provas” que tem enviado ao “New York Times,” ao “Baltimore Sun” e ao “Manchester Guardian.”

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Se Trotsky é inocente e tem as provas documentais de sua inocência, que diz ter, por que não mostrá-las? A imprensa de Hearst ficaria muito feliz em publicá-las e pagaria a Trotsky fabulosamente bem por seus documentos. O “New York Times,” o “London Times” e outros jornais burgueses também ficariam felizes em dar espaço a seus documentos. Durante os últimos meses, o Manchester Guardian ficou ao seu lado; seguramente não o abandonaria agora.

Ele disse, que se propõe apresentar suas provas em um novo livro sobre o stalinismo, o qual está escrevendo. Poderia argumentar também que seria melhor para ele apresentar suas provas perante a projetada Comissão Internacional que lhe dará a oportunidade para isto. Mas, considerem o absurdo, o surpreendente cinismo desta atitude; por um lado temos um grupo de homens esperando a morte acusados de atos que Trotsky diz ser absolutamente falsos; Trotsky, por sua vez, afirma que pode provar essa falsidade e, no entanto, conserva essas provas indispensáveis para publicar em um livro ou para as apresentar diante uma investigação internacional que ainda não se organiza. E, existem inúmeros liberais e socialistas, a quem seriamente acham que a justiça está sendo destruída sob as ordens de Stalin; mas, não tem um pingo de evidência para apoiar essa crença, além de seus próprios medos e suspeitas. Eis que Trotsky, com as provas essenciais se nega a mostrá-las quando são mais que necessárias.

Considerem algo mais. Nos últimos anos Trotsky tem escrito bastante livros e folhetos expondo sua doutrina da revolução permanente e pretendendo desmascarar Stalin e ao stalinismo. Sustenta não uma vez, senão constantemente, que Stalin deve ser derrotado para que a Revolução se salve. Das duas uma: ou bem os argumentos e exortações de Trotsky são completamente passivos e acadêmicos, cujos os casos podem ser esquecidos, ou bem ele pretende que sirvam de base para a ação. É óbvio, no entanto, que Trotsky não está jogando um papel passivo, que conscientemente é um agitador e que a si mesmo se considera como o líder ativo do movimento contra Stalin. Isto se desprende de cada linha que tem escrito sobre o problema, bem como de todas suas atividades. Mas como Stalin será derrubado?

É claro ainda para os discípulos de Trotsky, que não podem ter esperança de provocar uma sublevação popular na União Soviética. A queda de Stalin somente seria possível por meio de uma intervenção estrangeira, ou, até mesmo, por meio de uma conspiração dentro do governo soviético, ou ainda melhor, combinando ambos meios. Através de quem poderia ser preparado uma conspiração de tal natureza? É claro que teria que se utilizar as pessoas do governo que no passado tenham tido experiência neste tipo de trabalho. Mais claramente ainda, por meio de velhos conspiradores que criam ou tenham sido criados na doutrina de Trotsky. Que fatos nos revelam os processos de Moscou? Têm revelado precisamente uma conspiração desta natureza. Têm revelado a existência de um complô contra o governo soviético, precisamente com as características que exigem os ensinos de Trotsky.

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É verdadeiro que isto em si mesmo não prova que Trotsky tenha conspirado com os acusados de Moscou. No entanto, todo homem sensato estará obrigado a concordar que, dada a disposição conhecida de Trotsky para a ação e a vigorosa apresentação de seu caso contra Stalin, as provas circunstanciais contra ele são certamente muito fortes. Seria possível dizer sem que possa ser negado que o caso do governo soviético contra Trotsky não é perfeito. Cometeram-se erros. Fizeram algumas afirmações que aparentemente encontram em contradição com os fatos. Mas, nunca houve uma controvérsia que os fatos de um parte eram totalmente pretos e os da outra parte eram imaculadamente brancos. Devem ser julgados esses fatos não com uma regra absoluta e invariável, senão pesando as provas, e no presente caso a preponderancia destas se encontram do lado do governo soviético e claramente na contramão de Trotsky.

Eu estou de acordo que Stalin tem seus erros. Estou bem longe de aceitar tudo o que o governo soviético e o Comintern tenham feito ou estejam fazendo. No entanto, toda pessoa intelectualmente honrada deve admitir que sob sua presente direção, a União Soviética tem realizado notáveis progressos para o estabelecimento do socialismo. Somente entre os nazistas, fascistas e reacionários de outros países, bem como alguns grupos da Segunda Internacional, e entre os trotskistas, sustenta-se que a União Soviética sob o governo de Stalin e seus sócios está se dirigindo não para o socialismo senão para o capitalismo, ou bonapartismo, ou algo chamado “fascismo vermelho.” Toda pessoa que conheça os fatos deve considerar (e de fato considera) estes alegados como fantasiosos. Qualquer um que tenha ligeiras noções de economia pode facilmente se dar conta que o está desenvolvendo-se na União Soviética é socialismo e nada mais que socialismo. Fazer qualquer afirmação ao contrário é, em vista dos fatos estabelecidos, confundir os desejos com a realidade, ou bem deformar os fatos deliberadamente. Em atenção ao exposto, todo ataque aos líderes comunistas da União Soviética por mais imperfeitos que eles possam ser, e que tenha como propósito a derrubada do governo soviético, deve ser considerado como um ataque deliberado e de má fé contra o mesmo socialismo. Isto não quer dizer que eu considero o governo soviético acima de toda crítica. Longe disto. Mas, sim, significa que considero como uma traição ao socialismo toda crítica não honrada ou qualquer esforço que vá para além da mesma crítica (por exemplo, o esforço por destruir, no lugar de ajudar o desenvolvimento do socialismo na União Soviética). E isso, inteiramente separado do clamor contra os processos de Moscou, é o propósito objetivo dos escritos de Trotsky e de suas atividades de agitador. Se alguém duvida, não tem mais que comparar os escritos de Trotsky, sobre o “stalinismo," com o estudo dos Webb* sobre o socialismo na União Soviética.

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*URSS Uma Nova Civilização, escrito por Beatrice e Sidney Webb.

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Façamos um resumo da situação. Por um lado, temos as confissões que os acusados fizeram em Moscou, os registros judiciais, as afirmações de observadores desinteressados que coincidiram com o primeiro júri, e as reportagens sobre o segundo, produzidos por jornalistas de tanto prestígio como Walter Duranty. Tudo isto nos proporciona uma abundância de provas que tendem a demonstrar que os acusados foram julgados imparcialmente e que tem sido estabelecida sua culpa na conspiração tramada para derrubar o governo soviético. Essas provas tendem a demonstrar também que Trotsky participou na conspiração, ou quando menos, que teve conhecimento da mesma, ainda que sua participação direta no crime não tenha sido provada na forma conclusiva que o foi, pelo que os processados se referem. De qualquer modo, temos também seus escritos que tendem muito a fortalecer a presunção, se não de uma culpa material, pelo menos de uma responsabilidade moral.

Por outro lado, não temos nada concreto com que eludir as denúncias de conspiração. Só existem os infundados alegados de Trotsky e os temores e suspeitas não verificados de numerosos liberais e socialistas.

Possivelmente, Trotsky possa fundamentar suas afirmações. Não deve lhe negar, certamente, a oportunidade de oferecer as provas que diz ter. Mas, sua renuência ou incapacidade para exibir essas provas quando mais se precisam, pesa muito contra ele. Mas há mais, e este é um ponto de extrema importância: deve ser tomado em conta que Trotsky não é uma parte desinteressada no assunto. Não comparece diante a opinião mundial com antecedentes inteiramente limpos. É um adversário implacável do governo de Stalin. Deve presumir-se, em consequência, que lhe interessa tanto, e quiçá bem mais, o desenvolvimento de sua campanha para destruir o governo de Stalin que a obtenção de uma justiça abstrata para si mesmo. Que Trotsky afirme que o único desejo é que lhe faça justiça, e prometa publicamente que, no caso que não possa demonstrar suas alegações contra o governo soviético, que cessará imediatamente seus esforços em querer destruir esse governo. Se ele recusar a fazer este compromisso, todo homem razoável deverá concluir que pretende usar suas demandas de justiça como meio de recrutar novas forças para sua campanha contra o socialismo na União Soviética.

De fato, cronologicamente, as provas sobre este ponto estão contra ele. Os primeiros a gritar contra os processos de Moscou foram os trotskistas. Eles foram os primeiros a acusarem que a justiça estava sendo atropelada por Stalin na União Soviética. Não foi, senão, quando depois certos liberais desinteressados fizeram estes seus gritos. Não cabe dúvida que os trotskistas contavam em ganhar a simpatia e provavelmente a ajuda ativa desses liberais quando lançaram seu grito de "perseguição". E também não cabe dúvida que essa ajuda e não a justiça, era sua verdadeira finalidade, pois, como o alegavam, eles estavam convencidos que o governo de Stalin não conhecia a lei nem a justiça, não podiam esperar realmente que os liberais lhes ajudassem a conseguir essa justiça do governo soviético. E como ainda mantêm esta posição, é simplesmente lógico supor que seu propósito real quando apelaram aos liberais, não era o de obter justiça, senão o de ganhar apoio dos liberais para o trotskismo, isto é, para a campanha de Trotsky contra o socialismo na União Soviética, e tudo isto em nome do sagrado mais vazio princípio liberal conhecido como justiça abstrata.

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Em todo caso, enquanto Trotsky não compareça diante um tribunal com suas próprias mãos limpas, eu seguirei convencido que o atual movimento liberal que trata de obter justiça para ele não é mais que uma manobra trotskista contra a União Soviética e contra o socialismo. Estou igualmente convencido (e a isto me obrigam as circunstâncias), que o Comitê Americano para a defesa de Leon Trotsky se converteu, quiçá inconscientemente, em um instrumento dos trotskistas para uma intervenção política contra a União Soviética. Além das considerações feitas é perfeitamente claro que a tática e a fraseologia do comitê têm sido radicalmente alteradas desde sua formação. Por exemplo, a quem convidou-nos para aderirmos, nos pedia um esforço para proporcionar a Trotski “a mais ampla oportunidade para esclarecer seu caso." Mas agora as publicações do comitê falam de trabalhar “por uma completa e imparcial investigação dos processos de Moscou." O que implica esta mudança de atitude são óbvias demais para serem enfatizadas aqui. O liberal autêntico deseja dar-lhe a Trotsky a oportunidade que seja ouvido, mas só os trotskistas (ou qualquer outro que tenha propósitos ulteriores com respeito ao Partido Comunista) que exigiriam o tipo de intervenção política que seria necessária para empreender “uma completa e imparcial investigação dos processos de Moscou". Isto não é mais que propaganda e demonstra claramente que o Comitê tem caído nas mãos dos trotskistas.

Provavelmente os membros liberais não se deram conta da verdadeira natureza do comitê, mas isto não pode ser dito dos membros políticos, dos trotskistas e outros, que não têm outro propósito senão o de utilizar o comitê como um trampolin para dirigir novos ataques a União Soviética. Não estou disposto que utilize-me em um plano que tem como finalidade objetiva (não importa que justificativa subjetiva tenha) debilitar ou destruir o sistema socialista que agora se constrói na Rússia Soviética. Por isto, deverá você retirar meu nome como membro do comitê.

Acho que não será necessário explicar que não falo como membro de um partido ou de uma facção. Não pertenço agora e nem nunca tenho pertencido a nenhum partido ou organização política. Falo por mim mesmo.

No entanto, é necessário acrescentar que tenho posto cópias desta carta a disposição de certas pessoas e grupos que, sem dúvida, interessarão no seu conteúdo.

Respeitosamente, Mauritz A. HALLGREN.
Glenwood, Md., 27 de janeiro de 1937.